Você já se perguntou por que certos medos, bloqueios ou comportamentos parecem surgir sem causa aparente? Talvez a resposta esteja onde a consciência não alcança: no inconsciente. E é justamente aí que entra a repressão na infância segundo Freud, um dos pilares da teoria psicanalítica e ainda hoje fundamental para compreendermos a formação do psiquismo humano.
O que é repressão na infância segundo Freud?
Freud definiu a repressão (Verdrängung) como o mecanismo pelo qual o psiquismo afasta da consciência certos desejos, ideias ou lembranças que se tornam inaceitáveis para o ego. Em outras palavras, não se trata de um esquecimento comum, mas sim de um ato psíquico ativo, inconsciente, que tenta proteger o sujeito de um conflito insuportável.
A repressão estrutura o inconsciente e ocupa um papel central na formação de sintomas neuróticos. De acordo com Freud, esse mecanismo se consolida na infância, fase em que desejos ligados à sexualidade infantil, à agressividade e à ambivalência em relação aos pais causam grande desconforto emocional. Portanto, desde cedo, o aparelho psíquico aprende a lidar com o insuportável através da repressão.
Repressão originária: nascimento do inconsciente
Freud chamou de repressão originária (Urverdrängung) a primeira operação psíquica que forma o inconsciente. Nesse movimento inicial, a mente infantil recalca certas representações por provocarem angústia intensa. A partir desse momento, qualquer novo conteúdo semelhante é automaticamente rejeitado pela consciência.
Esse mecanismo provoca o que Freud chamou de retorno do recalcado. O que foi reprimido não desaparece; em vez disso, retorna disfarçado — como sintomas, sonhos, lapsos e fantasias. Assim, o que não pode ser simbolizado de forma direta acaba se expressando de modo indireto.
Repressão na infância e desenvolvimento psicossexual
A repressão na infância segundo Freud está diretamente relacionada à teoria das fases do desenvolvimento psicossexual. Cada etapa representa uma forma de organização do desejo, e a repressão se manifesta de acordo com os conflitos de cada fase:
- Fase oral (0 a 1 ano): prazer na sucção e na boca
- Fase anal (1 a 3 anos): prazer na retenção e evacuação
- Fase fálica (3 a 6 anos): descoberta dos genitais e formação do Complexo de Édipo
- Período de latência (6 aos 11 anos): fase de repressão mais intensa dos impulsos sexuais
- Fase genital (a partir da puberdade): retorno dos desejos em forma madura
Durante o Complexo de Édipo, a criança deseja o genitor do sexo oposto e sente rivalidade com o do mesmo sexo. Como esse conflito gera tensão interna, a repressão atua como defesa do desejo incestuoso. Assim, é através da repressão que a criança encontra uma maneira de lidar com esse impasse.
Para entender melhor, leia também: Complexo de Édipo: Teoria de Freud
Consequências da repressão infantil na vida adulta
A repressão na infância segundo Freud deixa marcas duradouras no psiquismo. Ela pode gerar:
- Sintomas neuróticos (como fobias, compulsões e histerias)
- Angústias sem objeto definido
- Transtornos psicossomáticos variados
- Padrões repetitivos em relações afetivas
Essas manifestações, muitas vezes incompreensíveis para o próprio sujeito, têm origem em conteúdos reprimidos durante a infância. Por isso, a psicanálise busca trazer à consciência o que foi excluído. Além disso, busca possibilitar novas formas de simbolizar o que foi vivido de maneira traumática.
Por que a repressão na infância segundo Freud ainda importa?
Vivemos uma era de hiperinformação e estímulos constantes. Mesmo assim, ou talvez justamente por isso, o sofrimento psíquico se intensifica. Segundo a OMS, a depressão ocupa o topo das causas de afastamento do trabalho em todo o mundo. E muitas dessas situações têm raízes inconscientes.
Apesar da crença contemporânea de que “falar sobre tudo liberta”, a repressão segue ativa. Agora, porém, ela se expressa de maneira mais sutil: crises de ansiedade, esgotamento e bloqueios emocionais profundos. Portanto, ainda precisamos escutar os sintomas com atenção.
Repressão e formação do caráter
Freud afirmou que a civilização depende de um certo grau de repressão. A convivência social exige o controle de nossos impulsos. Contudo, o excesso de repressão prejudica o psiquismo.
Durante a infância, o superego se forma e internaliza proibições parentais, exigências sociais e ideais morais. Quando esse sistema se torna muito rigoroso, o sujeito sente culpa constante, medo de errar e tende ao autojulgamento paralisante. Dessa forma, é fundamental que o analista ajude o paciente a ressignificar tais exigências.
O retorno à infância na clínica psicanalítica
A psicanálise convida o sujeito a retornar simbolicamente à cena reprimida. Isso não ocorre por memória exata, mas através da associação livre, dos sonhos e da transferência.
O recalcado retorna, mas não como antes. Ele adquire novos significados e, com isso, abre espaço para elaboração e mudança psíquica. Nesse contexto, o trabalho analítico permite que o sujeito construa uma nova narrativa sobre sua história.
Para pensar: o que você reprimiu?
Quantas vezes você se calou quando queria gritar? Quantos desejos você teve vergonha de nomear? Quantas memórias da infância você simplesmente esqueceu?
A repressão não é uma escolha consciente, mas uma estrutura do inconsciente. No entanto, quando você se permite escutar o que foi silenciado, pode encontrar caminhos de cura. E talvez, pela primeira vez, encontre também o desejo.
Conclusão
A repressão na infância segundo Freud continua sendo uma chave essencial para compreendermos a subjetividade humana. Mesmo nos dias atuais, marcados por discursos abertos e redes sociais, o que foi calado insiste em retornar.
Reprimir é humano. Escutar o recalcado é libertador.
Para seguir refletindo, conheça o livro A Infância Calada e abra espaço para ouvir o que a criança que você foi ainda tem a dizer.