O amor e a solidão na psicanálise não são opostos. Pelo contrário, são irmãos gêmeos nascidos da mesma falta. Ambos brotam do vazio estrutural que habita o sujeito desde o nascimento. Por esse motivo, todo amor carrega a esperança de preencher esse buraco; e toda solidão, a dor de encarar que ele nunca se fecha completamente.
O amor como suplente do vazio
Freud já nos dizia que amar é repetir. Repetimos no amor nossos primeiros objetos de desejo, nossos traumas, nossas idealizações. Amar é deslocar para o outro aquilo que nos falta.
Na clínica, escutamos diariamente sujeitos que sofrem de amor. Alguns esperam demais. Outros se perdem facilmente. E há aqueles que confundem amar com ser salvo. Contudo, para a psicanálise, amar não é fusão; é atravessar a falta com o outro, e não apesar do outro.
A solidão como encontro com o desejo
A solidão é inevitável. Afinal, somos seres desejantes, marcados pela perda do objeto primordial. A linguagem nos separa da coisa, do gozo pleno, do outro absoluto. Assim, a solidão é a condição da subjetividade.
No entanto, essa solidão pode ser criativa. Ela pode representar o espaço onde o sujeito encontra seu próprio desejo, sem precisar se anular para caber no desejo do outro. É na solidão que a escuta de si se torna possível.
Amar é desejar o que falta
Lacan nos ensina que o amor é dar o que não se tem. O sujeito ama na falta, a partir da falta, por causa da falta. Por isso mesmo, o amor, para ser sustentado, exige que o sujeito suporte o vazio e não o negue.
Quando amamos exigindo completude, abrimos espaço para a frustração. Em contrapartida, quando amamos permitindo a diferença, abrimos espaço para a liberdade.
Repetições que doem: por que sofremos tanto?
Muitas vezes, os pacientes dizem: “não sei por que sempre escolho o mesmo tipo de pessoa”. A psicanálise responde: porque você repete. Repetimos padrões inconscientes. São laços que se formaram na infância, traumas não elaborados, fantasmas do passado que se disfarçam de paixão.
Para aprofundar esse ponto, leia o artigo: Relacionamentos tóxicos e padrões repetitivos
Amar demais: o perigo da fusão
Quando o sujeito não suporta estar só, muitas vezes transforma o outro em seu espelho. Ele espera que o outro confirme sua existência, seu valor, sua completude. Esse tipo de amor, que Lacan chamaria de “amor narcisista”, não reconhece o outro como outro, mas como objeto.
Amar dessa forma é se perder. E se perder é também se afastar do próprio desejo. Amar demais, nesse sentido, pode ser sintoma de quem não sabe estar consigo.
A clínica do amor e da solidão
Na análise, o amor aparece. E aparece de forma intensa: amor de transferência. O analisando ama o analista porque ele escuta. Também porque sustenta o silêncio com consistência. Além disso, porque não responde como todos os outros.
Esse amor, porém, não é correspondido. E é exatamente por isso que ele cura. Isso acontece porque o sujeito se depara com sua repetição, com sua fantasia, com sua solidão estruturante. E, aos poucos, aprende a amar de outro jeito.
Amor na era digital: excesso de conexões, escassez de vínculo
Vivemos um tempo de “likes” e “matches”, onde tudo é rápido, descartável, performático. O amor líquido, como dizia Bauman, tornou-se regra. E com ele, a solidão se intensifica.
Mais conexões não significam mais vínculos. Na verdade, muitas vezes, só ampliam o vazio. O sujeito se sente mais exposto, mais cobrado, mais solitário. E nesse mar de presenças, falta escuta.
Amor, solidão e escuta de si
Talvez o maior presente que a psicanálise ofereça ao amor seja a possibilidade de escutar. Escutar o que se repete. Perceber o que falta. Nomear o que se deseja.
E, sobretudo, escutar o que não se sabe. Afinal, amar também é entrar em território desconhecido, inclusive de si mesmo.
Conclusão
O amor e a solidão na psicanálise não são obstáculos um ao outro. Pelo contrário, são atravessamentos. São experiências humanas que se iluminam mutuamente. Não se trata de amar para fugir da solidão, mas de suportar a solidão para amar de verdade.
O amor não é solução. É provocação. E a solidão não é fracasso. É espaço de escuta. E onde há escuta, pode haver desejo. E onde há desejo, pode haver encontro.
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